quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Habitantes de todos os municípios brasileiros terão a chance de viajar por meio da leitura

A reportagem a seguir foi publicada na edição de 23/12/2009 do Jornal Valor Econômico, e trata de importantes questões ligadas ao livro e leitura e especialmente ao Fundo Pró Leitura, que deverá ser votado pelo Congresso Nacional no início deste ano, para garantir, entre outras ações, ao menos uma biblioteca em cada cidade brasileira.

Valor Econômico

Samantha Maia

23/12/2009

Machado de Assis, Milton Hatoum, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, José Saramago, João Ubaldo Ribeiro, Isabel Allende, José de Alencar, entre outros tantos, seguem de caminhão neste fim de ano numa longa e diversificada jornada rumo a quase 400 municípios brasileiros distintos e distantes uns dos outros, mas próximos pela carência de um importante instrumento de Cultura: a biblioteca. Acompanhados por computadores, estantes, mesas e cadeiras, são 2 mil livros por kit para fazer que, até o início de 2010, todas as 5.564 cidades brasileiras tenham, pelo menos, uma biblioteca pública em seu território.

A parada em Jambeiro, a 116 quilômetros da capital paulista, ocorreu há três meses. Sem outros espaços de Cultura nem livrarias, o município comemorou em 14 de setembro a abertura de sua primeira biblioteca, em um local provisório anexo à prefeitura. A administração municipal está investindo R$ 80 mil no prédio definitivo, com inauguração prevista para o fim de março. A cidade tem 6 mil habitantes e 70 pessoas cadastradas na sua recém-inaugurada biblioteca. Até o fim do ano, a meta é alcançar cem usuários. “Tivemos uma surpresa boa com o número de pessoas já inscritas”, diz João Estanislau, secretário municipal de Cultura.

Para atrair o público, a prefeitura contratou profissionais para dar oficinas de arte com argila, teatro, música e dança. “É um trabalho de formiguinha, as pessoas não estão habituadas a ir a uma biblioteca”, afirma o secretário. O espaço funciona das 9h30 às 16h30, com dois estagiários. Um bibliotecário deve ser contratado apenas na sede definitiva.

A iniciativa faz parte do Programa Mais Cultura, do Ministério da Cultura, lançado em 2007, com um investimento de R$ 57,6 milhões. Os municípios ficam responsáveis pela disponibilização do local, pela contratação de funcionários e pela manutenção do espaço. “Em geral, a experiência tem sido positiva. Os prefeitos estão bastante sensíveis ao tema, não tem sido difícil convencê-los do investimento “, informa Silvana Meireles, coordenadora-executiva do Mais Cultura.

Resolver o problema de acesso ao livro é um passo importante para incentivar o hábito de ler em um país com tão baixos índices de leitura, mas está longe de ser o último. A questão esbarra também no alto índice de analfabetismo funcional da população, ausência de estímulo dentro de casa e na escola, além de problemas relacionados à própria biblioteca, como o atendimento desqualificado e a baixa atratividade do espaço.

Em 2007, um levantamento do sistema nacional de bibliotecas apontava a existência de 661 cidades sem um espaço comunitário com livros à disposição da população, mas não há um controle sobre o fechamento de bibliotecas já cadastradas. Para obter um retrato mais fiel, o ministério contratou uma equipe de pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) para mapear a realidade de cada cidade e como a biblioteca está funcionando. Prevê-se que o trabalho estará pronto até o fim do ano, e as novas cidades “sem bibliotecas” devem ser atendidas no começo de 2010 a um custo de R$ 65 mil por unidade.

Ainda como parte do programa federal, foram modernizadas 410 bibliotecas, que receberam acervo extra de mil livros, almofadas, tapetes, computadores. Os investimentos em modernização devem ser realizados permanentemente.

Mesmo em locais que já possuem bibliotecas públicas, porém, o movimento de usuários fica aquém do esperado. Apenas um quarto da população brasileira frequenta bibliotecas, segundo a pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro. E não é apenas por falta de acesso, já que 67% das pessoas dizem saber da existência de uma biblioteca por perto. Mas por que não a utilizam?

“Para haver leitores e leitura é preciso existir um centro onde as pessoas encontrem obras e interlocutores que lhes deem orientação. Considerando esse conceito, o quadro nacional de bibliotecas é vergonhoso”, diz Ezequiel Theodoro da Silva, doutor em educação e autor de livros como “De Olhos Abertos: Reflexões e Diálogos sobre o Desenvolvimento da leitura no Brasil “.

Na mesma linha, Zoara Failla, gerente-executiva do Instituto Pró-Livro, defende que a iniciativa do Mais Cultura é um bom começo, mas não é o suficiente. “É preciso pensar que hoje temos milhões de livros parados nas bibliotecas já existentes”, observa. De acordo com o levantamento da entidade, cerca de 45% da população brasileira não tem o hábito da leitura, ou seja, não leu nenhum livro no último ano. Entre os leitores, 20% não vão a bibliotecas por causa de problemas que elas apresentam.

Após receber o kit modernização do Mais Cultura, a biblioteca de Peruíbe, cidade do litoral sul paulista, deve ter seu espaço reformulado para tornar-se mais atrativa. Com um acervo de 28 mil obras, o movimento diário varia de 40 a 130 pessoas, considerado baixo, mas dentro da capacidade de atendimento de dois funcionários.

Segundo Airton Júnior Modolo, diretor municipal de cultura, a prefeitura não consegue garantir um recurso específico para a biblioteca. É o dinheiro da multa por atraso na entrega do livro, R$ 0,20 por livro /dia, que sustenta investimentos no acervo. Cerca de R$ 75 são arrecadados por mês dessa forma. “Queremos transformar a biblioteca em um equipamento interdisciplinar, com telecentro, ateliê, sala infanto-juvenil, mas dependemos de recursos.”

A falta de verba também é um entrave para a biblioteca municipal Professor Ernesto Manoel Zink, em Campinas (SP), outra contemplada com um kit de modernização do Mais Cultura neste ano. Em média, 300 pessoas frequentam o local por dia, mas Rosângela Reis, coordenadora de bibliotecas da prefeitura, diz que é possível mais que dobrar o acesso.

Para isso, porém, seria necessário triplicar o número de funcionários - hoje trabalham nela dez bibliotecários - e estender o horário de funcionamento das 8 horas atuais para 15 horas, além de abrir aos sábados. “O nosso tamanho comporta um movimento maior, mas não temos funcionários suficientes nem conseguimos manter o acervo atualizado”, conta a coordenadora. O acervo é de 65 mil obras.

Na capital paulista, investimentos recentes transformaram oito bibliotecas em locais temáticos. Nas paredes da Biblioteca Alceu Amoroso Lima, Zona Oeste, é possível ler poesias. No acervo especial, 3 mil livros de poesia. No saguão, exposição sobre poesia. O acervo geral é de 31 mil livros, todo informatizado, e atividades extras como oficinas de leitura, palestras, peças de teatro ocorrem diariamente.

Mesmo com toda essa estrutura e materiais de divulgação, em média 125 pessoas por dia passam por lá, volume considerado baixo pela coordenação. “Com a divulgação você conquista o leitor que não tem costume de ir à biblioteca, mas além disso há todo um trabalho para buscar o não leitor”, diz Mônica da Silva Peres, coordenadora municipal de bibliotecas. Um trabalho importante que vai nesse sentido é o de contador de histórias. “Leitura para o outro também traz leitura e desperta o interesse”, comenta Mônica.

O alto índice de analfabetismo funcional é uma grande dificuldade do desenvolvimento do hábito da leitura no Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), existem cerca de 30 milhões de brasileiros com mais de 15 anos de idade e menos de 4 anos de estudo completos.

“A entrada da televisão no Brasil pegou uma população despreparada, com 16 milhões de analfabetos e 60 milhões de analfabetos funcionais. O livro ficou como um objeto de elite”, diz o educador Silva. Um dos reflexos disso é que apenas 15% das pessoas entrevistadas na pesquisa do Instituto Pró-Livro citam a falta de uma biblioteca como motivo de ausência de leitura. A maioria, 54%, justifica não ter lido nenhum LIVRO no último ano por falta de tempo e 53%, por desinteresse ou outras preferências.

A pesquisa também mostra que os leitores frequentam bibliotecas basicamente durante a vida escolar e, mesmo assim, 46% dos alunos não têm esse hábito. Ao longo do tempo, a frequência diminui para 20% na fase adulta e para 12% aos 50 anos.

A estudante Jéssica Gomes de Jesus, de 16, tem em seu armário um tesouro escondido: o livro “Harry Potter e as Relíquias da Morte”. Conseguiu comprá-lo por R$ 20 em uma promoção, mas sua mãe não pode ver. “É história de bruxo!”, diz a mãe, repreendendo a filha.

A adolescente, contudo, já sabe a história de cor. Leu toda a saga do jovem bruxo emprestada na biblioteca municipal de Campinas (SP), onde passa as tardes ao menos duas vezes por semana. O primeiro livro, “A Pedra Filosofal”, chegou a ler 13 vezes. “Os livros são bem melhores que os filmes. Mas só leio porque tem a biblioteca, minha mãe não gosta que eu leia”, conta.

Em seu diário de resenhas, a estudante registra sua coleção de leituras - nele estão presentes “Os Miseráveis”, clássico da literatura francesa de Victor Hugo, e “O Cortiço”, do brasileiro Aluísio Azevedo. Ela sonha em preencher todo o caderno com os livros que ainda lerá.

Jéssica é uma contradição ao tornar-se leitora assídua sem ter mãe leitora. A pesquisa mostra que 49% das pessoas têm a mãe como maior indutora da leitura, à frente da professora (33%) e do pai (30%). “Esse dado foi revelador, pois indica que os projetos de disseminação da leitura têm que envolver as famílias. É importante estimular que elas tenham livros em casa”, afirma Zoara, do Instituto Pró-Livro.

Utilizar a biblioteca apenas para obrigações escolares é um dos motivos para que o estudante abandone o hábito depois de deixar a escola. Vincular o uso do espaço ao lazer é uma das grandes tarefas de quem coordena uma biblioteca, segundo os especialistas.

A busca de lazer foi o que levou Pedro Fernandes, de 66 anos, à biblioteca municipal de Campinas há três anos. “Infelizmente, quando era moço, nunca fui de ler”, lamenta. Ficou sabendo da biblioteca por meio de amigos e não deixou mais de ir. Ele passeia pela seção de literatura buscando algo que chame sua atenção e gosta muito de romances policiais, como os de Sidney Sheldon, e de autores brasileiros. Diz que adorou ler a biografia de Assis Chateaubriand, de Fernando Moraes. Sua experiência mostra que para gostar de ler só é preciso começar. “Ler é questão de costume. Conforme a pessoa vai lendo, pega gosto.”

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

"A leitura muda a vida das pessoas""


O Diretor do Livro, Leitura e Literatura do Ministério da Cultura, Fabiano dos Santos, concedeu entrevista ao Jornal A Tribuna (SP) sobre “Retratos da Leitura no Brasil”, a maior pesquisa sobre o assunto, uma iniciativa do Instituto Pró Livro e realizado pelo Ibope Inteligência dentro de uma ação do Plano Nacional de Livro e Leitura (PNLL). O resultado, divulgado recentemente, demonstra que a mudança de status social é possível através da leitura e que os exemplos familiares e do círculo social ainda são os maiores influenciadores na formação da imagem que o leitor médio brasileiro tem do livro e da leitura como ferramenta eficiente para a mudança de vida das pessoas. Fabiano dos Santos analisa os resultados desta pesquisa e da importância da leitura na formação política e ascensão social dos cidadãos brasileiros. Confira em http://www.tribunatp.com.br/modules/news/article.php?storyid=4293